"A frase
“aqui a vida não é um direito, é um privilégio” é retirada do filme “O Exótico
Hotel Marigold”, que esteve recentemente em exibição nos cinemas, e retrata o
sentimento de quem chega, vindo de uma cultura ocidental, a uma populosa cidade
indiana, como os sete reformados ingleses que, aliciados por uma agência,
esperavam passar o resto dos seus dias num sumptuoso hotel, usufruindo de uma
vida luxuosa por um preço acessível, e se confrontam com um antigo palácio
totalmente degradado.
A cultura
europeia do século XX cimentou-se, nomeadamente após a segunda guerra mundial,
na disseminação de direitos pelos seus cidadãos depois de séculos de muitos
deveres e em que os direitos estavam reservados a elites privilegiadas. A
“Declaração Universal dos Direitos Humanos”, proclamada pela ONU em 1948,
tornou-se a matriz orientadora de toda uma proliferação de proclamações de
direitos nas décadas seguintes. São, assim, solenemente proclamados os direitos
das crianças, dos idosos e dos deficientes, os direitos das mulheres e dos trabalhadores,
o direito a férias e à reforma, o direito à saúde e à educação, os direitos dos
consumidores e até os direitos dos animais.
Para
consolidar esta cultura, qual cereja sobre o bolo, a muitos destes direitos foi
adicionada a sua irreversibilidade, tornando muitos deles nos designados
“direitos adquiridos” que, consequentemente, não podem ser retirados.
Se esta cultura de direitos proporcionou décadas de bem-estar, estabilidade e segurança aos cidadãos europeus criou, por outro lado, graças ao paternalismo estatal que a todos quis proteger e consequente zona de conforto que proporcionou, dificuldades de adaptação a situações de crise, como a que vivemos atualmente, em que poderá estar em causa a possibilidade de manutenção de direitos julgados inamovíveis e garantidos para a vida. A resistência em sair do statu quo e procurar novas alternativas é dolorosa, afirmativa e por vezes violenta.
Se esta cultura de direitos proporcionou décadas de bem-estar, estabilidade e segurança aos cidadãos europeus criou, por outro lado, graças ao paternalismo estatal que a todos quis proteger e consequente zona de conforto que proporcionou, dificuldades de adaptação a situações de crise, como a que vivemos atualmente, em que poderá estar em causa a possibilidade de manutenção de direitos julgados inamovíveis e garantidos para a vida. A resistência em sair do statu quo e procurar novas alternativas é dolorosa, afirmativa e por vezes violenta.
Foi esta
dificuldade de adaptação a uma cultura diferente da sua que levou os sete
reformados ingleses do filme citado a sentirem-se enganados e desiludidos ao
chegarem ao suposto paraíso que haviam sonhado em terras indianas. Porém, a
superação das resistências, conseguida através da secundarização da
reivindicação de direitos relativamente à opção pela velha máxima “em Roma sê
romano”, levou-os a redescobrir a alegria de viver. Apenas uma das reformadas
não conseguiu sair da sua culturalmente assumida zona de conforto, vivendo num
inferno até optar pelo regresso à sua confortável pátria.
Porém, os
direitos acima referidos vistos a uma escala global são privilégios na acessão
literal do termo, ou seja, um bem ou uma prerrogativa a que poucos têm acesso,
uma vantagem que é concedida a alguém com exclusão de outros. Com efeito, neste
mundo globalizado os fenómenos cada vez têm de ser vistos, entendidos e
enquadrados numa perspetiva traduzida no neologismo “glocal”, ou seja, com
dimensão local mas com com projeção e consequências universais.
Nesta
perspetiva muitos dos direitos acima referidos como o direito à vida, à saúde,
ao trabalho, à educação, etc. vistos numa perspetiva mundial não passam, sem
necessitarmos de recorrer a estatísticas que o comprovem, de puros privilégios
aos quais apenas uma reduzida percentagem da população mundial tem acesso.
Se a nível
local (Portugal, Europa…) nos entrincheirarmos nesta teia de direitos que fomos
tecendo, com particular incidência nos últimos cinquenta anos do século passado,
estaremos certamente a construir verdadeiras muralhas de resistência às
mudanças que nos estão a entrar avassaladoramente pelas nossas fronteiras
dentro e sucumbiremos seguramente nas teias que nós próprios tecemos.
Não será
mais sensato entender os direitos que detemos nesta perspetiva global, ou seja,
como simples privilégios? Passarmos a interiorizar que a vida, a saúde, a
educação, o trabalho, a reforma são privilégios e que, como tal, não estão
absolutamente seguros e garantidos como não o estão para a maior parte da
humanidade? Provavelmente esta mudança de atitude permitiria encarar com menor
angústia a perda de direitos que está diariamente a acontecer, aceitar a sua
reformulação para que possam ser mantidos a níveis sustentáveis e, porque não,
encontrar novas alegrias de viver onde nunca sonhámos encontra-las."
Adelino
Alves Cardoso
Consultor,
Formador e Docente do Ensino Superior
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